Hepatites virais: diagnóstico segue como o maior desafio

10 de Outubro de 2023

Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)

3 de julho de 2023

Julho Amarelo é o mês de luta contra as hepatites virais. A campanha instituída no Brasil em 2019 pela Lei nº 13.802 busca reforçar as ações de vigilância, prevenção e controle dessas infecções. Segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2000 e 2021 foram diagnosticados mais de 700 mil casos de hepatites virais no Brasil. [1] Estimativas da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) alertam que até 2040 a mortalidade global por esses quadros deve exceder a soma das vítimas de VIH, tuberculose e malária. [2] O Dr. Paulo Abrão, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e vice-presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, alerta que os médicos, independentemente da especialidade, devem pedir a todos os pacientes adolescentes e adultos que façam os testes rápidos de rastreamento de hepatite B e C pelo menos uma vez na vida.

 

Em 2022, a OPAS emitiu um alerta para a Região das Américas. Segundo a entidade, a região registrava a cada ano 10 mil novas infecções por hepatite B e 23 mil mortes. Já a hepatite C era responsável por 67 mil novas infecções e 84 mil mortes anualmente. [3]

O Medscape ouviu a opinião do Dr. Paulo Abrão sobre esta questão. “Não acredito que o problema esteja aumentando. Acho que o problema é grande e existe há muito tempo. Precisamos atuar”, destacou em entrevista. Para o médico, os dados da OPAS provavelmente refletem o aumento do número de diagnósticos em outros países nas Américas do Sul e Central, que apresentam cenário pior do que o brasileiro em termos de casos de hepatites virais.

 

No Brasil, a situação de novos diagnósticos é relativamente estável, mas muitas pessoas têm essas doenças e não sabem. Acho que esse é o maior desafio: descobrir para poder tratar precocemente”, disse.

 

Hepatite C lidera os diagnósticos

Entre os anos de 2000 e 2021, foram registrados quase 280 mil casos de hepatite C no Brasil. Atrás dela aparecem registros de hepatite B (264.640), seguidos por hepatite A (168.175) e D (4.259). [1] Segundo o Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais de 2022, [4] a taxa de detecção dos casos confirmados de hepatite C foi de 5,2/100 mil habitantes no país em 2021, sendo a região Sul a área com a maior incidência no mesmo ano (11,7/100 mil habitantes). Já com relação à hepatite B a taxa de detecção em 2021 no país foi de 3,4/100 mil habitantes, a menor observada na série histórica. A região Sudeste apresentou a maior incidência no ano: 7,1/100 mil habitantes.

A assessoria de imprensa do Ministério da Saúde informou ao Medscape que os dados das hepatites virais de 2022 provavelmente serão divulgados em julho, no Boletim Epidemiológico de Hepatites de 2023. No momento do fechamento desta reportagem, a publicação ainda se encontrava em fase final de elaboração.

 

 

Especialista vê avanços

De acordo com o Dr. Paulo, o cenário das hepatites virais está melhorando no Brasil. Segundo o médico, por trás disso está a atual indicação de tratamento universal para a hepatite C, ou seja, todas as pessoas diagnosticadas são tratadas, independentemente do grau de acometimento hepático.

No passado, o tratamento da hepatite C era feito com medicamento de administração por via subcutânea por, no mínimo, um ano. Estava associado a muitos efeitos colaterais e, segundo o infectologista, apenas 20% a 30% dos pacientes se curavam. “Hoje, é um comprimido usado por três meses sem efeitos colaterais, e 100% dos indivíduos se curam”, ressaltou.

Na hepatite B, também há progressos. Existem novos medicamentos que têm menos efeitos colaterais e que, de acordo com o Dr. Paulo, são bastante eficazes. “A chance de cura existe, mas ela é menor do que na hepatite C. Temos medicamentos que controlam 100% a doença e evitam 100% das complicações: cirrose e câncer. Na maioria dos casos, o paciente tem que tomar ao longo da vida, é um fármaco de uso contínuo”, afirmou.

O Sistema Único de Saúde (SUS), segundo o Dr. Paulo, oferta os melhores medicamentos disponíveis no mundo para as hepatites B e C, assim como é feito para o VIH. “São áreas que têm um programa muito competente de assistência”, destacou, lembrando que os testes de diagnóstico rápido para as hepatites B e C também estão disponíveis nos serviços públicos de atenção primária no país.

O SUS também disponibiliza por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI) vacina contra a hepatite B. "Ela está indicada para todas as idades desde o nascimento até 100 anos de idade. A vacina é segura mesmo para pessoas que vivem com VIH, para pessoas que têm câncer e as que têm doenças que causam imunocomprometimento", explicou o Dr. Paulo.

Outro imunizante disponível no SUS é contra a hepatite A. Neste caso, é voltado para as crianças. “A vacina contra hepatite A fora da faixa pediátrica só é recomendada no SUS para alguns grupos de pessoas que têm algum risco maior de [comprometimento da] imune ou lesão prévia no fígado, mas pode ser tomada por qualquer um que tenha recursos para pagar, [nos serviços privados de saúde]”, disse.

 

Educação em saúde: desafio até para profissionais de saúde

Apesar dos avanços, o médico lembrou que ainda existem algumas barreiras para o combate às hepatites virais no país. “A primeira coisa é ensinar melhor a população e as equipes de saúde. A segunda barreira a vencer é aumentar a prevenção, com a vacina da hepatite B e com os comportamentos que diminuam o risco. Eliminar a terceira barreira implica aumentar o número de diagnósticos, porque muita gente tem a doença e não sabe”, pontuou.

Para o médico, é importante usar o mês de combate às hepatites virais para lembrar do impacto dessas doenças e procurar informações que possam ajudar nos processos de prevenção, diagnóstico e tratamento. “E isso inclui a equipe de saúde, porque muitas vezes ela está desatualizada. Acho que essas mensagens são as mesmas para os médicos. Eles devem pedir os testes para todo mundo pelo menos uma vez, independentemente da especialidade em que eles estão atuando. Se ele não pede o teste, está perdendo a oportunidade de fazer o diagnóstico naquela pessoa”, alertou Dr. Paulo.